O Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que houve fraude nos processos de compras de kits de robótica no governo Jair Bolsonaro (PL) e suspendeu os contratos para esse fim. A corte autorizou, entretanto, que sejam mantidos os pagamentos já realizados até abril de 2022. O voto final de Walton Alencar, relator da investigação, foi apresentado na última quarta-feira (26), sendo acompanhado pela maioria dos ministros presentes na sessão.
O caso remete à denúncia sobre repasses de dinheiro do Ministério da Educação (MEC) que priorizaram prefeituras com contratos com uma mesma empresa alagoana, a Megalic, que tem como dono o empresário Edmundo Catunda, pai do vereador por Maceió, João Catunda (PP). Edmundo é um dos aliados do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A denúncia foi publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em 6 de abril de 2022.
Em 2022, a Folha mostrou que o governo de Jair Bolsonaro destinou R$ 26 milhões de recursos do MEC para a compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades de Alagoas que sofrem com uma série de deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, de computadores, de internet e até de água encanada.
Os municípios beneficiados com os recursos milionários foram: Canapi, que recebeu R$ 5,4 milhões; Santana do Mundaú, com R$ 4,5 milhões; União dos Palmares, R$ 7,5 milhões; Flexeiras, valor não informado; Branquinha, Maravilha e Barra de Santo Antônio, também sem valores informados.
À época, presidente da Câmara, Arthur Lira, disse não ter envolvimento com contratação de empresas pelos municípios, que não solicitou aceleração de liberações e que os processos obedecem a critérios técnicos do FNDE.
Durante o processo no TCU, a empresa teve seus argumentos aceitos de que não houve sobrepreço. A Megalic indicou que outras compras públicas praticaram preços similares com fornecedores diferentes. No ano passado, a Folha mostrou que a decisão do governo sobre os kits ignorou opções mais em conta disponíveis no mercado.
Informações obtidas e divulgadas pela Folha de S. Paulo e publicadas também em abril de 2022 mostraram que a Megalic havia faturou até aquele momento o total de R$ 44,5 milhões a partir de depósitos de prefeituras para kits de robótica, enquanto só gastou R$ 6,7 milhões. Em 2021, essa diferença foi entre R$ 15 milhões em recebimentos e R$ 2,7 milhões em gastos.
Ministro verificou falhas graves e desperdício de recursos
No julgamento ocorrido no Tribunal de Contas da União (TCU), os ministros entenderam que não foram apresentadas informações claras e documentos comprobatórios sobre a forma como os valores foram apurados. Há, ainda, indícios de sobrepreço nas contratações da empresa licitada.
“As falhas verificadas são extremamente graves, tornando o desperdício de recursos públicos certo. Essas irregularidades levaram-me, inicialmente, a refutar pagamentos pelos municípios em face da entrega de produtos potencialmente inúteis, com falhas de especificação e sem fundamentação de preços”, argumentou o ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo.
A análise técnica aponta, ainda, que MEC e FNDE não verificam as condições operacionais e de infraestrutura das escolas para recebimento dos kits de robótica, sob o argumento de que tais procedimentos desrespeitariam a autonomia dos entes federados na escolha das ações educacionais que objetivam implementar.
O ministro relembrou que a falta de critérios e de transparência nos procedimentos do MEC para eleger e priorizar o atendimento das demandas do Plano de Ações Articuladas (PAR) já havia sido analisada pelo Colegiado do TCU no Acórdão 1.048/2020-Plenário. “Neste processo, vemos um explícito beneficiamento dos estados de Alagoas e Pernambuco, com emendas que claramente violentam os princípios constitucionais sobre isonomia e diminuição das desigualdades regionais”, destaca. O PAR é a ferramenta de diagnóstico e planejamento plurianual das políticas de educação.
A maioria dos ministros votou por autorizar apenas o pagamento de produtos comprovadamente entregues até 20/4/2022 – data da medida cautelar que suspendeu o repasse de recursos –, desde que atestada a compatibilidade da quantidade e qualidade dos itens oferecidos pela licitante vencedora com as especificações constantes do termo de referência da licitação.
Entre outros pontos, o Plenário decidiu determinar ao FNDE que levante, com as cidades que receberam ajuda para comprar kits de robótica em 2021 e 2022, uma série de informações para serem enviadas ao Tribunal. Entre essas, destacam-se dados de valores dos termos de compromisso, valores empenhados e transferidos aos municípios, cópia de todos os contratos celebrados pelos entes federados em decorrência dos termos de compromisso, entre outros dados.
O Tribunal também determinou ao MEC e ao FNDE que regulamentem os requisitos de capacidade operacional e de infraestrutura que os entes federados e as escolas devem preencher para receberem recursos federais para compra de soluções de robótica. Será necessária, ainda, a revisão do preço de referência utilizado para aquisição de Solução de Robótica Educacional pelo PAR.
Por Editoria de Política com agências com Tribuna Independente