Nos últimos anos, os chamados “bebês reborns” têm ganhado espaço e atenção em diversas esferas da sociedade. Mais do que simples bonecos, esses objetos altamente realistas, feitos à mão com detalhes que imitam com precisão impressionante a pele, os cabelos, as expressões e até o peso de um recém-nascido, têm despertado sentimentos complexos em quem os adquire e provocado debates que vão muito além do universo dos colecionadores ou entusiastas.
A popularização dos bebês reborns não pode ser entendida apenas como uma moda passageira ou uma nova tendência do mercado de brinquedos e colecionáveis. Ela revela traços importantes da sociedade contemporânea, que merece ser analisada com cuidado. Em uma época marcada por sentimentos de solidão, esgotamento emocional e busca por afeto, os reborns surgem, muitas vezes, como companheiros silenciosos e reconfortantes. Para algumas pessoas, eles simbolizam acolhimento e funcionam como válvula de escape diante da ausência de vínculos humanos mais profundos ou da dor causada por perdas e traumas.
É comum vermos relatos de pessoas que encontram nos reborns uma forma de lidar com a saudade de filhos que cresceram, de gestações interrompidas ou da impossibilidade de exercer a maternidade ou paternidade. Nesses casos, o boneco deixa de ser um objeto inanimado e passa a representar uma experiência afetiva concreta. Isso pode parecer estranho aos olhos de quem observa de fora, mas é um fenômeno que revela, em parte, a complexidade das emoções humanas e o modo como buscamos conforto diante das dores e das frustrações da vida.
No entanto, essa relação também levanta questões importantes. Ao mesmo tempo em que os reborns podem representar uma ferramenta terapêutica, há o risco de que se tornem uma espécie de substituto da realidade, dificultando o enfrentamento de certas situações e reforçando mecanismos de negação. Quando o apego ao boneco ultrapassa o limite do saudável e começa a interferir nas relações sociais ou na percepção de mundo, pode ser necessário um acompanhamento psicológico que ajude a pessoa a compreender os motivos por trás dessa vinculação.
Além do aspecto emocional, os bebês reborns também refletem o culto à estética e ao hiper-realismo que caracteriza a sociedade atual. O cuidado com os mínimos detalhes, o desejo por algo “perfeito” e a busca constante por experiências visuais impactantes dialogam com um mundo cada vez mais mediado pelas imagens, pelas redes sociais e pela necessidade de reconhecimento e validação externa. Os reborns, nesse contexto, também podem ser vistos como espelhos de uma cultura que valoriza o parecer mais do que o ser.
Por outro lado, é preciso reconhecer os efeitos positivos que o contato com os bebês reborns pode proporcionar. Em algumas práticas terapêuticas, especialmente com pessoas idosas que sofrem de demência ou Alzheimer, o uso desses bonecos tem se mostrado eficaz no estímulo à memória afetiva, na redução da ansiedade e na promoção de momentos de ternura e interação. Da mesma forma, o ato de cuidar de um reborn pode ajudar no desenvolvimento de empatia, responsabilidade e até mesmo no tratamento de quadros de depressão ou luto.
A “febre” dos bebês reborns, portanto, não é apenas uma curiosidade excêntrica ou um capricho de nicho. Ela é um sintoma — não necessariamente negativo — de uma sociedade que vive intensamente suas fragilidades emocionais e que busca, em objetos simbólicos, formas de suprir carências afetivas, resgatar vínculos perdidos ou simplesmente sentir-se menos sozinha. Ignorar esse fenômeno seria desprezar uma das tantas formas que o ser humano encontra para lidar com seus vazios e suas complexidades emocionais.
Ao refletir sobre os reborns, refletimos também sobre nós mesmos: sobre nossos desejos, nossas dores, nossas necessidades e a forma como a sociedade nos molda e nos cobra. Em tempos de distanciamento emocional e conexões frágeis, talvez seja menos importante julgar quem adota um reborn e mais necessário compreender o que esse gesto comunica sobre quem somos — e o que ainda estamos buscando.
Por Fabrício Rocha é pedagogo, pós-graduando em Neurociência e Comportamento Humano. Pesquisa temas ligados à saúde mental, educação e comportamento social.