Relatório do Confea será levado à CPI da Braskem

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Grupo de Trabalho que investigou o afundamento do solo em Maceió em visita técnica ao Pinheiro – Foto: Reprodução

O relatório do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), acusando a Braskem de negligenciar o monitoramento e a manutenção das 35 minas de sal-gema que a empresa explorava em Maceió, será levado à CPI do Senado, que investiga os crimes atribuídos à mineradora. “Os senadores da CPI da Braskem precisam tomar conhecimento desse relatório, cujo conteúdo, estarrecedor, é a prova do crime”, afirmou Neirevane Nunes, coordenadora do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB).

Segundo ela, o Movimento não entende por que, até a semana passada, esse documento, apesar de tão importante, era inédito, não tinha sido divulgado nem pelo Confea e nem pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea/AL). “É incrível, ninguém sabia da existência desse documento, nem os especialistas no assunto”, enfatizou. Por isso, o MUVB vai pedir também explicações à presidência do Confea, para saber por que esse relatório passou mais de quatro anos engavetado.

“Esse documento é mais uma prova da permanente negligência da Braskem para com a população. Esse documento deveria ter sido amplamente divulgado. O fato de não ter sido divulgado pela instituição (Confea) é um indício de omissão grave e de conivência com a negligência da Braskem”, acrescentou Neirevane. “Além disso, o documento é muito sério e é estranho que não foi dado publicidade. O porquê não sabemos. Só o Confea ou Crea/AL podem responder”.

A assessoria do Crea/AL informou que a presidente da entidade, Rosa Tenório, não tinha conhecimento do relatório e ficou de buscar explicações sobre esse “silêncio criminoso” junto à presidência do Confea, mas até o fechamento dessa matéria não deu retorno sobre o assunto. Apenas confirmou que pelo menos dois engenheiros de Alagoas, Zerisson de Oliveira Neto (titular) e Oswaldo de Araújo Costa Filho (suplente), participaram do Grupo de Trabalho do Confea que produziu o relatório.

O Crea/AL cedeu suas instalações para as reuniões do GT do Confea e o então presidente da entidade, engenheiro Fenando Dacal, deu todo o suporte ao grupo, mas esperava que o relatório final fosse disponibilizado aos integrantes do Conselho, ou divulgado na mídia, o que não aconteceu. Uma incoerência não explicada, porque no próprio relatório está consignado que o documento, com as conclusões finais, seria deveria ser amplamente divulgado, para que o público tivesse acesso ao seu conteúdo.

ABEL GALINDO

O professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Abel Galindo, disse ontem que até agora não entendeu por que o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) não deu divulgação ao relatório do Grupo de Trabalho, criado pelo próprio Conselho, para investigar o afundamento do solo de pelo menos cinco bairros de Maceió, provocado pela mineração de sal-gema sob a responsabilidade da Braskem. “Eu não tinha conhecimento desse documento”, afirmou Galindo.

Segundo ele, se esse documento tivesse sido divulgado, em novembro de 2019, quando ficou pronto, muitas dúvidas, até então existentes, sobre a tragédia, teriam sido dirimidas. O especialista em solo, que prestou depoimento à CPI da Braskem no Senado, no último dia 5 de março, disse que seria bom que esse relatório do Confea chegasse ao conhecimento dos senadores, para que o presidente do Conselho pudesse explicar por que um documento dessa importância passou mais de quatro anos engavetado.

“O Confea criou esse Grupo de Trabalho para investigar o afundamento do solo em Maceió, pegando carona no estudo feito pela CPRM, de maio de 2019. Com base nesse estudo, eles fizeram em trabalho de campo e constatam que a Braskem abandonou os poços, não fez a manutenção das minas e ainda desligou as bombas para economizar energia. Isso não pode, mas a empresa desligava horas e horas. Isso é um crime violento. Um crime proposital”, afirmou o professor.

Empresa não poderia desligar bombas nem por meia hora, diz Abel Galindo

Segundo o professor Abel Galindo, “a Braskem não poderia nunca desligar a energia dessas bombas, nem por meia hora, porque poderia provocar (como provocou) a desprestorização das cavidades. “É ponto crucial a prestorização das minas, é a pressão dentro da cavidade, porque se deixar desprestorizar corre o risco de desabar. Se deixar de existir essa pressão, vai haver um desequilíbrio de forças, entre a parte interna da mina e a parte externa”.

O professor explicou ainda o que acontece quando há esse desequilíbrio: “A sal-gema (diferente de outras rochas) não aceita que faça um buraco na sua camada, sem haver a prestorização; tem que haver a prestorização; se fosse outro tipo de material, tipo calcário ou granito, tudo bem, mas sal-gema, não. Porque sem a prestorização, ela começa a ficar mole e começa a fluir em direção ao centro da caverna. É uma serpente viva”.

SONAR NEGLIGENCIADO

Outra coisa que o GT do Confea denunciou e segundo o professor Abel Galindo é uma situação de extrema gravidade é o monitoramento das minas por meio de sonar. “Além do desligamento das bombas e do abandono das minas sem prestorização, a Braskem, conforme consta nesse relatório foi negligente com relação ao uso do sonar, que é equipamento importante, pois mostra as imagens internas, uma espécie de radiografia da caverna, para verificar o comportamento da mina”.

Segundo Abel Galindo, o monitoramento das minas por sonar, era para ser feito uma vez por ano, mas a empresa fazia de dez em dez anos, de acordo com informações da Agência Nacional de Mineração (ANM). “Pelo menos foram essas as informações que eu tive conhecimento. Consta, por exemplo, que foi feito um estudo por sonar das minas de sal-gema de Maceió em 1979 e outro em 1989”, revelou Galindo, acrescentando que isso é muito pouco para se ter uma ideia exata do que se passa dentro das cavidades.

Consta no site do Confea que o relatório sobre o afundamento do solo, produzido pelo Grupo de Trabalho (GT), deveria ter sido aprovado na última plenária do órgão no ano de 2019, em 16 de dezembro. Para depois de aprovado, será amplamente divulgado, o que terminou não acontecendo. Segundo o morador do Pinheiro, vítima da Braskem, que conseguiu uma cópia do relatório, o documentou só foi disponibilizado depois que ele apelou para a Lei de Acesso à Informação.

Questionado quando foi a primeira vez que tentou conseguir o relatório, ele disse que passou os últimos dois anos tentando ter acesso ao documento, mas só conseguindo ter acesso recentemente, depois de muita insistência e apelando para a lei que obriga a divulgação de informações públicas. “Tenho certeza se o relatório não acusasse a Braskem de negligência ao desligar as bombas, para economizar energia, ele teria sido divulgado”, comentou o morador, que pediu sigilo, para evitar retaliação.

Galindo: “constatado que empresa desligava bomba por horas, isso é um crime violento, um crime proposital” (Foto: Sandro Lima)

Documento foi aprovado com recomendações, mas foi ocultado do público

Na última matéria postada no site do Confea sobre o documento, até então, inédito, constam as seguintes informações:

Foi aprovado o relatório do Grupo de Trabalho Abalos Sísmicos em Maceió, informando que:

“O tremor ocorrido em março de 2018 é característico de evento localizado e não regional como ocorre com fenômenos tectônicos;

As deformações e abatimentos das cavidades deixadas pela extração do sal podem ter sido as causadoras do tremor e podem se agravar, necessitando-se de estudos mais detalhados, o devido monitoramento e eventuais ações de contenção;

As rachaduras no bairro continuam em andamento, mesmo sem a influência da pluviometria, o que indica que são devidas à subsidência, que está em processo contínuo;

As chuvas tendem a agravar a extensão dos fraturamentos e rachaduras em imóveis e logradouros;

Para um diagnóstico conclusivo dos estudos do Grupo de Trabalho, faz-se necessário ter acesso aos estudos da Braskem, os da CPRM Serviço Geológico do Brasil, e as informações exigidas pela Agência Nacional de Mineração – ANM à Braskem, assim como informações adicionais, ambos previstos no relatório final do Grupo de Trabalho;

Para evitar maiores danos, sugere-se que: as moradias localizadas nas zonas de maior risco, afetadas pelas subsidências, devem ser retiradas pelas autoridades, com a participação da mineradora, e alocadas em locais mais seguros; a área desocupada poderá ser destinada para criação de espaços verdes e de lazer”.

Os comunicadores do Confea, dos Creas e da Mútua iriam se reunir nos dias 11 e 12 de março de 2020, em Brasília (DF), durante o Seminário de Comunicação do Sistema Confea/Crea e Mútua, para debater estratégia de divulgação do relatório.

A agenda de divulgação, que tinha sido aprovada pelo plenário do Conselho no final de 2019, teria a participação de 26 funcionários dos Regionais, além de representantes do Colégio de Presidentes, do Colégio de Entidades Nacionais, das Coordenadorias de Câmaras Especializadas dos Creas, do Conselho de Comunicação e Marketing e dos conselheiros federais Carlos Laet e Jorge Luiz Bitencourt.

No entanto, a divulgação se houve foi pífia, porque nem mesmo os especialistas no assunto tomaram conhecimento. Nem mesmo a presidente do Crea/AL, Rosa Tenório, sabia da existência desse documento. Por isso, a presidência do Confea, ela mesmo disse isso, precisa explicar melhor porque esse relatório se manteve inédito até a semana passada, pelo menos para o grande público.

Por Ricardo Rodrigues – colaborador / Tribuna Independente

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