O escândalo que jogou a cidade de Arapiraca na mídia nacional em 2010, com a divulgação de filmagens de padres católicos abusando de menores de idade foi revisitado e atualizado em no livro “Pedofilia na igreja”, um dossiê inédito sobre casos de abusos envolvendo padres católicos no Brasil. que está sendo lançado essa semana pelos jornalistas Fábio Gusmão e Giampaolo Morgado Braga.
De acordo com os autores, em entrevista à reportagem da Tribuna Independente, o livro é fruto de um trabalho de três anos que teve contato com vítimas, parentes de vítimas, advogados, promotores, policiais, padres que enfrentam essa questão no âmbito da igreja, especialistas, psicólogos, e pessoas que trabalham no tratamento de padres pedófilos.
“Arapiraca se soma muito fortemente a uma parte do livro em que a gente percebeu que os pedidos de indenização estão muito longe de serem pagos da forma que são pedidos. No caso deles, que pediram indenização de R$ 3 milhões, até hoje está correndo sem solução”, destaca Giampaolo.
“Chegamos a esse número de 108 padres no século 21 com abuso comprovado de 148 crianças e adolescentes”, continua o autor do livro.
Dois desses casos são de brasileiros acusados de abuso no exterior. Um deles caiu numa ação da polícia na Florida (Estados Unidos) porque estava fazendo contato com menores em sala de bate-papo. Ele marcou com o policial achando que era um menor de 13 anos e foi pego. “Ele cumpre pena, é mandado de volta pro Brasil e está rezando missa no interior de São Paulo”, relatam os autores.
A segunda maior cidade de Alagoas, Arapiraca, foi escolhida por eles para aparecer no livro devido à proporção que o caso tomou.
“Foi um furo do [jornalista Roberto] Cabrini e a gente atualizou os dados, basicamente o que a gente percebe é que a justiça nesse caso está longe de ser feita. Esse é o maior absurdo, a estamos falando de 2010, mais de uma década esperando que aconteça uma solução. Os acusados estão ainda recorrendo. Reparação cível é outro ponto que a gente aborda no livro, e está longe de solução”.
A situação nunca foi resolvida, e os pesquisadores se perguntam se o crime foi só o que foi descoberto. “De fato Arapiraca está entre os mais graves e os mais emblemáticos. O que fica claro pra a gente é que eles são pegos por um crime, são três jovens denunciando que tinha acontecido até anos antes, até início da vida adulta. A grande pergunta que fica é: ‘o que aconteceu com os demais? E as vítimas que não foram identificadas? O abusador não atua em um caso só e se arrepende, ele tem uma sequência de casos’”.
E o momento em que aconteceu favoreceu a repercussão. “Essas três figuras super emblemáticas pela primeira vez você consegue mostrar o envolvimento e o abuso sexual de forma tão profunda. Associado a isso existia naquele momento com as denúncias uma CPI da pedofilia em andamento, então ganham uma proporção maior. Poderia, como vimos em tantos outros casos, ter ficado num campo mais local do que nacional. Arapiraca extrapolou as fronteiras do país”.
A indenização que estão pedindo seria “para reparar tudo aquilo que eles viveram e relataram [os relatos deles dão conta do início da puberdade], ao ponto de eles terem que, para provar para a família e os amigos tiveram que filmar o flagrante para mostrar quem eram os padres”. Mas um dos acusados morreu e nunca chegou a pagar nem ser preso.
Por Emanuelle Vanderlei – colaboradora com Tribuna Independente