A votação que aprovou Marco Temporal na Câmara Federal na última terça-feira (30) trouxe preocupação para lideranças do Brasil inteiro, incluindo Alagoas. Apesar de os recentes avanços no processo das demarcações, incluindo a primeira homologação aqui no estado que contemplou a etnia Kariri-Xocó, caso entre em vigor a mudança pode anular todo esse processo.
O cientista político Jorge Vieira, que pesquisa sobre os povos tradicionais em Alagoas há décadas, comenta com a reportagem da Tribuna Independente que vê com bastante preocupação a possibilidade de isso se tornar realidade. O critério estabelecido no Projeto de Lei 490 é injusto, na avaliação dele.
“Se acontecer, vou dar o exemplo de Alagoas, em 1872, o presidente da província acabou com todos os aldeamentos do Estado de Alagoas. Eram 20 grupos indígenas. Quer dizer, esses povos saíram da terra não porque quiseram, mas porque foram expulsos pelo presidente da província. Caso o Marco Temporal seja aprovado, todas as etnias alagoanas estariam envolvidas, seriam objeto de não demarcação. Se isso acontecesse, paralisaria tudo. É uma situação dramática”, contextualiza Jorge Vieira.
O projeto estabelece, entre outras coisas, que os territórios só poderiam ser demarcados caso seja comprovado que eram ocupados por povos indígenas no momento em que foi promulgada a Constituição Federal, em outubro de 1988.
A proposta ainda está tramitando e a próxima etapa é a votação no Senado. Além disso, a pauta está em debate no Supremo Tribunal Federal (STF).
“A questão, na verdade, é um absurdo. Essa proposta é uma pauta da bancada ruralista atrasada que quer impor e invadir os territórios indígenas para exploração, destruição do meio ambiente e acabar completamente com a existência dos povos indígenas. Para esse pessoal atrasado do agronegócio, os povos indígenas são um empecilho aos objetivos que eles têm de explorar de forma ilimitada os recursos naturais da terra”, disse o pesquisador.
Vieira não poupa as críticas aos parlamentares que votaram a favor do projeto. “A questão não se limita somente à bancada ruralista, mas também interesses que vão além, como mineradoras, madeireiras, e o agronegócio também. Tem questões envolvidas e recado com certeza da extrema direita para barganhar com o governo Lula. Eles não têm limites. Sabem que é inconstitucional, fizeram a votação para o seu grupo para mandar várias mensagens, como a de estar cumprindo a pauta dos segmentos que financiam eles”.
Entre os parlamentares alagoanos, apenas dois se posicionaram contra o Marco Temporal: Paulão (PT) e Daniel Barbosa (PP). Marx Beltrão (PP), Luciano Amaral (PV), Alfredo Gaspar (União) e Fábio Costa (PP) votaram a favor, Arthur Lira (PP) não votou, e estavam ausentes durante a votação os emedebistas Rafael Brito (MDB) e Isnaldo Bulhões (MDB).
Vieira lembra que o presidente Lula tem feito um esforço para colocar o Brasil na pauta internacional de questões climáticas e de comunidades tradicionais. As comunidades indígenas de Alagoas estão se articulando, lideranças devem ir a Brasília nos próximos dias.
O DEBATE NO CONGRESSO
Um dos principais pontos do projeto é a instituição do chamado “marco temporal”, que estabelece que territórios só podem ser demarcados caso seja comprovado que já eram ocupados por indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Essa não é, no entanto, a única alteração prevista no texto, que tramita há 16 anos no Congresso Nacional e já teve mais de 10 outras propostas anexadas ao projeto de lei original.
Entre outras mudanças estão a autorização para garimpos e plantação de transgênicos dentro de terras indígenas; a flexibilização da política de não-contato de povos em isolamento voluntário; e a possibilidade de realização de empreendimentos econômicos sem que os povos afetados sejam consultados.
“Esse projeto é muito nocivo aos povos indígenas. São uma série de direitos que seriam vilipendiados”, afirmou ao g1 Mauricio Terena, advogado e coordenador jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, principal referência no movimento indígena).
Por Emanuelle Vanderlei – colaboradora com Tribuna Independente