Estamos iniciando uma nova jornada. Dessa vez num periódico que pretende informar fatos ocorridos em todo o interior de Alagoas, sem se descuidar do que acontece em Maceió, sede política do Estado, e no Brasil. Desde já agradeço a confiança, desejo sucesso ao empreendimento e espero contribuir para o alcance dos objetivos estabelecidos em sua criação.
Não sou jornalista e não me sentindo obrigada a investigar acontecimentos presentes, adicionado ao fato de estar mergulhada na vida e obra de Graciliano Ramos, pensei iniciar, no Jornal do Interior, com uma série de textos sobre este genial autor alagoano, tentando despertar nas leitoras e leitores sentimentos semelhantes aos que senti ao ler suas obras e que me levaram a perguntar quem foi esse escritor, homem, gestor público, presidiário e militante, nascido na cidade de Quebrangulo, em outubro de 1892?
A biografia do velho Graça, escrita por Dênis de Moraes, da editora Boitempo, é sem dúvidas a fonte mais cara a essa série de textos. Nela, Moraes nos apresenta os pontos de interligação “entre o menino traumatizado pelas surras na infância, o jovem autodidata que lia Honoré Balzac, Émile Zola e Karl Marx em francês, o mítico comerciante da loja Sincera, o revolucionário prefeito de Palmeira dos Índios, o zeloso diretor da Imprensa Oficial e da Instrução Pública de Alagoas, o preso político no inferno da Ilha Grande, o escritor sufocado por apuros financeiros e o militante comunista aos esbarrões com o stalinismo cultural”. Opiniões sobre ele de sua segunda esposa, Heloisa, de Raquel de Queiroz, de Aurélio Buarque de Holanda, de Jorge Amado, de José Lins do Rêgo entre outros enriquecem a biografia e desfaz a errada ideia de que seria Graciliano um sujeito sempre mal humorado.
Graciliano foi o primeiro dos dezesseis filhos de uma típica família sertaneja, formada por Sebastião e Amélia Ramos. Educado sob chicotes e palmatórias, já adulto, confessou ter sido – o pavor – o sentimento a lhe orientar nos primeiros anos. A este somava-se a síndrome da feiura e o complexo de rejeição. Tais sentimentos não o impediram de, num raro momento de afeto, ouvindo sua mãe entoar ternas cantigas e contar lendas infantis, supor ter nos livros histórias de homens que venciam o mal e tornavam-se felizes. Que melhor companhia podia desejar?
Assim, ao se deparar com a biblioteca do tabelião Jerônimo Barreto, em Viçosa, onde a família tinha se estabelecido, superou a timidez e expressou o seu desejo de conhecer as histórias contidas naquelas prateleiras. O primeiro foi O Guarani, de José Alencar, e em poucos meses romances de vários autores foram devorados. O gosto pela leitura daquele menino chamou a atenção de Mário Venâncio, agente dos Correios, literato e professor do internato alagoano. Convidado pelo professor para fundar o jornal O Dilúculo, Graciliano estreou aos 11 anos com o conto ‘O Pequeno Pedinte’. Sobre isso teria dito: “meus primeiros trabalhos foram pequenos contos, simples ensaios sem estética, sem forma, sem coisa alguma. Verdadeiras criancices”.
Na adolescência, produziu sonetos e teve dois – Incompreensível e Confissão – publicados pela revista carioca ‘O Malho’, em 1907. Assinou-os com o nome de Feliciano Olivença. A imprensa alagoana também publicou sonetos do escritor, entre 1909 e 1911, todos assinados com pseudônimos. Ganhou reconhecimento do pequeno circuito literário de Maceió, a ponto de ser convidado a opinar, em entrevista, sobre obras e autores reconhecidos, o que lhe causou enorme surpresa. Antes de falecer, Graciliano disse ao filho para não permitir que as obras assinadas por pseudônimos fossem republicadas, não prestavam. “E, pelo amor de Deus, poesia nunca; foi tudo uma desgraça”.
Os ensaios feitos na infância – ‘criancices’. Os sonetos da adolescência – ‘desgraça’, mas esse era o pedaço do mundo onde ele queria estar. Numa rápida passagem pelo Rio de Janeiro, entre agosto de 1914 e agosto de 1915, investiu nesse sonho. Para se sustentar trabalhou como revisor de vários jornais, e quando a carreira literária parecia possível de acontecer, foi chamado de volta à Palmeira dos Índios. Em um único dia, três irmãos tinham falecido, vítimas da peste bubônica, e sua mãe e mais duas irmãs encontravam-se em estado grave. Sobrou-lhe administrar a loja Sincera onde se podia encontrar tecidos, calçados, chapéus, perfumarias, brinquedos, fármacos, secos e molhados, cachaça e um escritor infeliz com a sina de ser comerciante. Segundo Moraes, não há registros de produção literária entre 1916 e 1921. Nesse período, “encontrei dificuldade séria, pus-me a ver inimigos em toda a parte e desejei suicidar-me”.
Como venceu a depressão e se tornou prefeito de Palmeira dos Índios, sem fazer campanha? Por que renunciou ao mandato? (“Prefeito não tem pai. Eu posso pagar sua multa. Mas terei de apreender seus animais toda vez que o senhor os deixar na rua”). O que levou o governador Álvaro Paes nomeá-lo diretor da imprensa oficial? (“A administração de Palmeira dos Índios continua a oferecer um exemplo de trabalho e honestidade, que coloca o município em uma situação de destaque”). E o coração batendo forte por Heloisa – Graciliano apaixonado…